No princípio, eu queria o moleque. Aquele, que descia a rua da frente de casa esmerilhando no seu carrinho de rolimã. Achava um charme o joelho ralado, a voz que começava a ficar rouca, a canela cheia de mancha roxa e o tênis remendado de silver tape. Me apaixonei. Festinhas dançantes só tinham graça se ele viesse e me tirasse para dançar.
Queria ele. Namorar com ele. E andar de mãos dadas com ele pela praça.
Depois veio aquele, da 7ª série. Usava calça de cós largo e tinha um franjão. Ele andava de skate e ouvia Talking Heads no seu walkman. A escola só tinha graça se eu o encontrasse na hora do recreio. Me apaixonei. Queria ele. Namorar com ele. E andar com ele de mãos dadas pelo pátio do colégio.
Quando estava no colegial achava os perebentos da escola uns perebentos. Era chegada a hora de querer os universitários, que iam com o carro do pai para ficar lá na frente do portão da escola, paquerando as menininhas na hora do intervalo. Eu queria aquele: óculos escuros e cabelo raspado de quem tinha acabado de passar no vestibular. Ele ouvia Men at work no Pioneer do seu Gol GTI. E a boate só tinha graça se ele entrasse, lá pela meia-noite, e viesse para perto de mim dançar “Who can it be? (now)”. Me apaixonei. Fiquei com ele. Beijei ele. Namorei com ele. Mas nunca andei com ele de mãos dadas pelos barzinhos da cidade. É que o namoro não passou de 20 dias.
Um dia acordei e achei que tivesse virado mulher. E uma mulher se apaixonaria por um homem. Aquele: cinco anos mais velho do que eu, último ano da faculdade, já trabalhava e era lindo de morrer. A vida só tinha graça se ele estivesse comigo no carro ouvindo Aerosmith, em casa no sofá assistindo “Feitiço do tempo” ou o tempo todo fazendo qualquer coisa inútil. Queria ele. E queria ele mais. E queria de novo. Fiquei louca, me apaixonei, beijei, chorei, rastejei, virei metade de mim. Mas não me casei com ele. Não éramos feitos um para o outro. Demorou, mas eu entendi tudo. Expliquei, até. E fui continuar sendo feliz.
Aí achei que tinha virado mulher mesmo, dessa vez, de verdade. Fui morar sozinha, longe de tudo. Surgiu aquele: lindo, gentil, do mundo, cheiroso, alto, a soma de tudo. Queria ele antes de conhecê-lo. Os dias só tinham graça se eu estivesse falando com ele por email, fazendo gracejos virtuais à distância, imaginando o próximo jantar sobre almofadas marroquinas ou o próximo gole de conhaque sob a neve. Queria andar de mãos dadas com ele fosse onde fosse, em qualquer continente, em qualquer planeta, num restaurante estrelado ou num boteco pé sujo de um submundo qualquer. Queria ele. Queria muito. E ele foi tudo que eu quis. Pelo tempo que eu pude.
Depois dele eu não fiz mais questão de nada específico, e muito menos de nada genérico. Homens vinham em seus carrinhos de rolimã, fazendo manobras em seus skates, preparando coquetéis, exibindo os vincos de sua virilha em suas calças largas, desfilando seus ternos e laptops, fazendo solos em seus baixos, carregando suas pranchas de surfe, exibindo seus lados espirituosos, enfim, eu já tinha visto aquilo tudo e me apaixonado por aquilo tudo. Não fazia questão de nenhum deles.
O resultado é que não há praça, pátio de colégio, boate, restaurante estrelado ou submundo no qual eu consiga me ver de mãos dadas com alguém. Não há mais a expectativa do encontro na rua, na escola, na faculdade ou na cidade para onde eu acabei de me mudar. Lá, homens apaixonantes parecem não vagar mais. A paixão fugiu de mim.
E o pior é que eu quase agradeci. Faz tempo que não quero nada e que estou inteira, ouvindo as músicas de que quem gosta sou eu.
Não quero precisar mais pensar, nem me esforçar, nem esperar por um telefonema. Não quero calcular a hora certa de fazer um. Não quero correr atrás de fugitivos, nem meter o pé no peito para mostrar que isso que eu sinto é amor. Quero ser feliz sem querer.
Deitar em almofadas marroquinas e saborear um gole de conhaque sob flocos de neve.
Quero, sim, tudo isso e ao mesmo tempo.
Para sempre.
Ou por quinze minutos.
Cléo Araújo.